Quando Jeferson Tenório, autor do premiado O Avesso da Pele (Companhia das Letras, 2020), viu seu romance suspenso em escolas de três estados brasileiros, a situação não era completamente nova para ele. O escritor, que trabalhava como professor de literatura na rede pública até dois anos atrás, conta à CBN que não houve um ano sequer em que não tenha lidado com pais ou diretores de escola alegando que algum livro adotado e discutido em suas aulas era “impróprio”. Só para dar alguns exemplos: Diário de Anne Frank (1947), A Revolução dos Bichos (1945), de George Orwell ou obras de Rubem Fonseca entraram na mira. (conheça os entrevistados no final).
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Recentemente, o mesmo aconteceu com um de seus próprios livros: o vencedor do Prêmio Jabuti de 2021 de melhor romance. O estopim para a caça às bruxas foi o vídeo de uma diretora de escola em Santa Cruz do Sul (RS) que se escandalizou com a presença de alguns trechos sobre sexualidade e raça na obra debatida com alunos do Ensino Médio.
“No caso de ‘O Avesso da Pele’, acho que o racismo estrutural também está por trás de todo o argumento que foi utilizado, de que o livro seria p*rnográfico, ao invés de discutir o que de fato tem que ser discutido. Além disso, sou um autor negro, que mora há muitos anos no Rio Grande do Sul, e a gente sabe que é um estado extremamente racista, então vejo que isso também é fruto de uma política que tem a ver com a estrutura racista.”
Na ficção de Tenório, um filho resgata a história de seu pai, Henrique, um professor negro que trabalhava em escolas públicas de Porto Alegre (como seu criador). Em O Avesso da Pele, o racismo põe fim ao desejo de Henrique de ensinar literatura aos alunos: ele é assassinado a tiros por policiais quando voltava feliz de uma aula – naquele dia, havia conseguido encantar a turma com Dostoiévski.
Em março deste ano, a ficção migrou para a realidade. O Avesso da Pele enfrentou uma perseguição implacável: publicações ofensivas na internet, repúdio de parlamentares, interdição em escolas que inicialmente haviam escolhido o livro por meio do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) e o próprio autor sofreu até ameaças.
No mês passado, outro título também foi atacado: O Menino Marrom (Melhoramentos,1986), de Ziraldo, dois meses depois de sua morte.
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O livro infantil, que chegou a ser suspenso em escolas municipais de Conselheiro Lafaiete (MG), aborda as diferenças raciais e fala da relação de amizade entre o Menino Marrom e o Menino Cor-de-rosa (em alusão aos negros e brancos). Porém, o que incomodou pais e professores, que criticaram a obra nas redes sociais, foram dois trechos relacionados a questões religiosas e morais.
Em uma das cenas, os garotos decidem fazer um "pacto de sangue" metafórico para eternizar sua amizade, consagrado com tinta azul em vez do líquido vital vermelho. Em outro momento, o Menino Marrom deseja que uma idosa que não aceitou sua ajuda para atravessar a rua seja atropelada.
Em entrevista à CBN, João Luís Ceccantini, professor da UNESP e organizador do livro Literatura Infantil e Juvenil na Fogueira (Editora Aletria, 2024), ressalta que o “pacto de sangue” está presente no imaginário humano há muito tempo e se tornou elemento tradicional na literatura.
“Nada justifica essa reação exorbitante a não ser uma leitura “desviante” da obra. E vale lembrar, ainda, que esse é um “motivo” dos mais recorrentes na tradição da literatura infantil, presente em obras-primas desde séculos passados, tendo sido lidas por sucessivas gerações sem que os leitores tenham se tornado facínoras em razão dessas leituras. Aliás, uma das mais famosas cenas da literatura infantil universal, lida por diversas gerações, tornando-se clássica, contempla exatamente esse motivo, fazendo-se presente em ‘As aventuras de Tom Sawyer’ [1876], de Mark Twain, traduzida por Monteiro Lobato.”
A Justiça derrubou a suspensão de O Menino Marrom e o romance de Tenório também pode voltar às escolas e bibliotecas e, desde então, ele não teve notícias de novas censuras de O Avesso da Pele. Curiosamente, a pressão para impedir a leitura das obras de Tenório e de Ziraldo acabou surtindo efeito contrário: os títulos despertaram maior interesse e entraram para a lista dos 100 mais vendidos da Amazon na época.
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No entanto, a retirada de livros de escolas e o ambiente de hostilidade em relação à literatura carregam um perigo que não pode ser ignorado: o de se criar mais obstáculos à formação de leitores no país, já que a escola garante muitas vezes o primeiro (ou até único) contato de crianças e adolescentes com a leitura.
Muitos cala-bocas ao longo da história
Os casos de Tenório e Ziraldo se juntam a muitos outros na história brasileira (e mundial), que aconteceram de diferentes formas em décadas passadas. Se hoje uma torrente raivosa no Whatsapp e Instagram pressiona para que um livro seja suspenso nas escolas, em períodos autoritários a ordem partia expressamente do governo para impedir a publicação, distribuição e/ou recepção do livro. Independente de quais são os mecanismos da censura em cada época, fato é que o cala-boca ainda não morreu.
Para falar das perseguições atuais e ainda frescas na memória, o livro infantojuvenil francês Aparelho Sexual e Cia (Companhia das Letras, 2018), de Zep e Hélène Bruller, voltou a ser atacado poucas semanas depois de O Avesso da Pele – e teatralmente jogado no lixo pela prefeita de Canoinhas (SC), Juliana Maciel (PL). A obra que se propõe a informar os mais novos, com humor e rigor científico, sobre sexualidade, vem sendo alvo, desde 2016, de Jair Bolsonaro, e virou mote para a fake news do “kit gay”.
Em 2021, uma versão em quadrinhos de O Diário de Anne Frank causou estardalhaço em um colégio particular de São Paulo, o Móbile. O texto atual contém trechos que haviam sido suprimidos do original pelo pai de Anne Frank, e traz reflexões da menina sobre sexualidade. Cerca de 90 pais fizeram um abaixo-assinado contra o livro em sala de aula. Não demorou para que internautas e blogueiros conservadores também atacassem nas redes sociais a versão mais “completa” do diário de Anne.
Ana Maria Machado e Ziraldo são grandes nomes da literatura infantil e sofreram censura. — Foto: Divulgação
Nem mesmo uma imortal da Academia Brasileira de Letras foi poupada da fúria censória. Aos 82 anos, Ana Maria Machado é um dos principais nomes da literatura infantil, com mais de cem títulos publicados e muitos traduzidos em mais de vinte países. Entre os prêmios recebidos, foi agraciada com o Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infantojuvenil.
Nada disso impediu que ela fosse acusada de incitar o suicídio de crianças com O menino que espiava para dentro (Global, 1983), livro adotado em escolas por todo o país. Em 2018, uma mensagem nas redes sociais afirmou que a história representava uma “estimulação perigosa” do ato e foi republicada à exaustão. No Google Books, plataforma que sistematiza livros, pediam ao Ministério da Educação que tirasse a obra de circulação. E até a página de Ana Maria Machado no Facebook chegou a ficar fora do ar. Na época, em entrevista ao Globo, a escritora disse que ficou “chocada” com a polêmica:
“Foi como se uma bigorna caísse na minha cabeça. Até peguei o livro para reler, pensando que pudesse ter alguma frase infeliz. Mas que nada. É apenas a história de um menino cheio de imaginação que precisava de um amigo, e acaba ganhando um cachorro.”
A autora, que comandou o Sistema Jornal do Brasil de Rádio durante a Ditadura Militar e se dedicou a driblar os censores para fazer o jornalismo no qual acreditava, já falou diversas vezes sobre censura – sua mais recente contribuição à discussão foi no dia 9 de maio, em debate na Academia Paulista de Letras – , e tem um capítulo inteiro dedicado ao tema em seu livro Silenciosa algazarra (Companhia das Letras, 2011). Ela conta que as primeiras censuras que sofreu foram na condição de leitora, ainda criança, no Governo Vargas, e relembra seus sete anos de idade, quando a escola pediu que todas as crianças levassem livros de Monteiro Lobato para serem queimados na fogueira.
Foi durante o regime militar que Ana Maria Machado começou a escrever livros para crianças. Junto com Ziraldo e Ruth Rocha, foi responsável pelo chamado “boom da literatura infantil: paradoxalmente, a repressão fez com que o gênero florescesse no Brasil, como conta em Silenciosa algazarra.
“A literatura infantil corria em trilhos mais discretos. Era coisa de mulher e de criança, não era algo que os generais lessem e ouvissem em toda parte, como a música popular. [...] Pelo contrário, esse tempo de censura nos ensinou a escrever com mais espessura e ensinou nosso público a ler com inteligência e cumplicidade.”
Por fim, não se pode deixar de mencionar Monteiro Lobato. Nas duas últimas décadas, seus livros foram "cancelados" por passagens racistas, como Caçadas de Pedrinho, que chegou a ser vetado pelo Conselho Nacional de Educação -- o veto foi depois rejeitado pelo MEC. Apesar das controvérsias, para Jeferson Tenório, a obra de Lobato não deve ser apagada das escolas, e sim "mediada". Vale destacar que o escritor foi preso pela ditadura de Getúlio Vargas -- dentre outras acusações, sua literatura foi considerada “comunista e perigosa à nação".
“Temos pesquisas e comprovações de que existem passagens racistas na elaboração literária do Monteiro Lobato, o que não significa que não se deva dar importância à sua obra. Afinal, estamos falando de um autor que inaugurou a literatura infantil no Brasil. Levar Lobato para sala de aula pressupõe que o professor esteja preparado para lidar com situações e propor reflexões. As novas edições já têm tido o cuidado de trazer textos de apoio e prefácios que expliquem por que o texto foi escrito daquela forma. Não acho que o livro deva ser retirado das escolas, nenhum livro deve ser censurado, deve ser mediado, o que é diferente.”
Livro reflete e orienta contra a censura de livros
O recém-lançado Literatura Infantil e Juvenil na Fogueira, organização de João Luís Ceccantini, Eliane Galvão e Thiago Alves Valente, é um guia para abordar a censura de livros destinados a crianças e adolescentes no país.
Em suas mais de 500 páginas que reúnem artigos assinados por diversos pesquisadores, a obra traz um histórico da censura de livros infanto-juvenis no Brasil (com contextualização mundial) e analisa tim-tim por tim-tim os argumentos e mecanismos dessas proibições.
João Luís Ceccantini destaca o papel das redes sociais na censura de hoje. O caráter inflamável destas plataformas pode criar falsas polêmicas e causar enorme prejuízo às relações entre a instituição da escola e a literatura.
“A tentação para a ‘postura censória’ se revela, sim, diariamente nas redes sociais, aliás, tudo parece se ampliar e atrofiar nas redes sociais... Um passo importante me parece ser que o funcionamento, a dinâmica, as distorções das redes devam ser, cada vez mais, preocupações dos educadores em todos os níveis. Objeto dos mais importantes a ser contemplado no currículo escolar.”
Outros indicadores podem ajudar a compreender melhor a questão. De acordo com a pesquisa de 2023 “Panorama do Consumo de Livros”, 84% da população alegou não ter comprado nenhum livro no ano passado. Os dados reunidos pela Nielsen BookData e encomendados pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) ainda dizem que destes “não compradores” de livros, apenas 56% encontraram alguma alternativa à compra: download de PDF gratuito, acesso à biblioteca, empréstimo de um amigo ou terem sido presenteados. Segundo outro levantamento, feito em 2020 pelo Instituto Pró-Livro em parceria com o Itaú Cultural, apenas 52% dos brasileiros têm hábitos de leitura, com uma média de livros inteiros lidos em um ano de 4,2 por pessoa.
Neste cenário de pouca ou nenhuma leitura para a maioria dos brasileiros adultos, a escola muitas vezes representa o único meio para que a criança e o adolescente tenha contato com a literatura e apoio para ler – o que também é um grande desafio das instituições educacionais.
Livro "Literatura infantil e juvenil na fogueira", da Aletria Editora. — Foto: Divulgação
O casamento entre literatura infantojuvenil e escola
Por vezes, a família se coloca como inimiga e não aliada da leitura, o que pode ser ainda mais perigoso em escolas particulares. É o que explica Renata Nakano, fundadora do Clube Quindim de livros infantis, editora de livros e jurada de prêmios da literatura infantil.
“Nas escolas privadas, há o grande problema de compreender os pais do aluno como clientes. E, como clientes, eles acabam impactando decisões que deveriam envolver apenas o pedagógico da escola, algo complicado, ainda mais neste momento em que pautas morais são colocadas para gerar pânico e angariar votos, polarizando debates.”
João Luís Ceccantini defende que o desejo de controle de pais que não entendem o que é a literatura e a vontade de que a educação dos filhos seja circunscrita às suas ideias são o embrião da pressão que exercem sobre a escola para censurar certos livros.
“Não se pode esquecer que, desde suas origens, particularmente a partir do século 18, a literatura infantil esteve atrelada à educação, tanto porque muitos de seus escritores pioneiros estavam diretamente ligados à educação e à instituição escolar, quanto porque esse gênero, ao longo de sua história, teve a escola como principal espaço de circulação. Por outro lado, a escola é continuamente “controlada” pelos pais que, conforme sua visão de mundo, fazem variados tipos de pressão para que seus filhos recebam uma educação afinada com seus valores, controlando de forma mais ou menos direta os materiais que circulam na escola, sejam livros didáticos ou obras literárias.”
Mas, a escola também está ligada a essa literatura de forma mercadológica. Por serem clientes fundamentais e indispensáveis, as instituições educacionais não apenas fomentam a literatura infantojuvenil como também acabam ditando tendências editoriais, destaca Renata Nakano:
“A área de literatura infantil foi historicamente direcionada ao mercado escolar, seja ele público ou privado. Mesmo as vendas em livraria, quando pensamos em volume, ocorrem por meio das adoções escolares. Para as escolas públicas, temos grandes editais, em geral mais estruturados, onde é possível a participação de editoras menores e com mais liberdade criativa. No campo privado, temos escolas de todos os perfis. Aquelas com bibliotecários e coordenadores imersos no universo da literatura infantil são escassas, e muitas vezes quem decide qual livro será adotado não é um educador com disponibilidade para um mergulho na produção literária.”
Dos editais em questão, o mais importante é o PNLD, Programa Nacional do Livro e do Material Didático, promovido pelo Ministério da Educação. O PNLD atende escolas públicas das redes federal, estadual, municipal e distrital e também às instituições de educação infantil comunitárias ou filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com o Poder Público.
Todo ano é disponibilizada uma lista de livros literários e didáticos selecionados pelo PNLD (uma equipe de especialistas faz a avaliação dos títulos). As escolas, então, escolhem quais obras querem receber para trabalhar com seus alunos – foi o que ocorreu com O Avesso da Pele.
Mell Brites, diretora editorial da Baião, selo infantil da Todavia, também destaca a importância dos editais de compra de livros para escolas – e mesmo a dependência de certas editoras – e suas consequências para a produção da literatura infantojuvenil, como restrições criativas.
“Essas instituições muitas vezes se limitam a comprar apenas livros de certos perfis, de acordo com o que acreditam que é mais ‘adequado’ para a sala de aula, bibliotecas escolares etc. E, nesse sentido, a produção nacional está sempre correndo o risco de se tornar repetitiva e pouco subversiva. Acredito que o problema de fundo é o fato de que, num país com uma população tão grande como o Brasil, temos pouquíssimos leitores, e não é qualquer editora ou selo que pode se permitir produzir livros sem pensar em compradores como o governo ou as escolas. Podemos vislumbrar momentos históricos, no caso do Brasil, em que o lado artístico esteve mais aguçado, e outros em que o lado pedagógico se destacou. Mas isso – essa intenção de educar ou o entendimento da obra como objeto artístico a priori -- também se pode observar em cada obra individualmente, em todos os períodos da nossa produção. E há também aqueles autores que conseguem conciliar ambos de maneira inventiva, produzindo livros que, sem deixar de acenar para o educador, são verdadeiras obras de arte.”
Por que pais querem evitar que filhos leiam certos livros?
Recentemente, sexualidade, diferentes religiões e racismo foram alguns dos temas cuja discussão em obras literárias voltadas a crianças e adolescentes não foi aceita por pais de alunos, diretores escolares e políticos. Concepções comuns de como os livros infantis e juvenis “deveriam ser”, aliadas à falta de hábito da leitura na família, dão combustível à proibição, pelos adultos, de obras que poderiam enriquecer a experiência cultural e educacional de jovens. Há quem acredite que livros destinados a esta faixa etária “devem, antes de tudo, ‘educar sobre algo’ e não tolere que este “algo” seja contrário às suas crenças. A partir desse pressuposto, tudo que não educa, ou “educa errado” deve ser abolido”, como explica Mell Brites. “Esse parece ser o mecanismo básico por trás das censuras que temos visto no país”.
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Ceccantini afirma que existem pais que sentem medo de perder o “poder ilimitado que julgam possuir sobre os filhos”. Por isso, defende que “nada é melhor que ter pais leitores”:
“O comportamento arbitrário de certos pais revela, acima de tudo, que não são leitores habituais de literatura e nem possuem conhecimentos elementares sobre arte e cultura de um modo geral. Vêem qualquer livro com desconfiança e segundo uma perspectiva limitada e utilitária, própria dos não-leitores, que enxergam os livros como ameaça. Esses pais desconhecem como se dá o fenômeno da leitura, que implica uma interação contínua, um embate, uma troca fecunda, entre leitor e objeto lido, o que leva precisamente a que o leitor amadureça, expanda seus horizontes e ganhe autonomia intelectual, aprendendo a pensar por si mesmo e a lidar com o diferente.”
Afinal, o que é boa literatura para crianças e adolescentes?
Para a diretora editorial da Baião, Mell Brites, é “antes de tudo, literatura” e portanto “arte”. Ela cita o crítico Antonio Candido, figura central dos estudos literários no Brasil, afirmando que a literatura é “o sonho acordado das civilizações” e “fator indispensável de humanização”.
“Sigo me surpreendendo com o livro ilustrado e a sua capacidade de ser inovador e transformador. Para crianças e jovens, a literatura, como as outras artes, tem o mesmo poder [que para adultos]. Nomeia, organiza (ou desorganiza para depois organizar), expande as nossas possibilidades de existência ao mesmo tempo que nos permite nos reconhecer em nossas origens.”
Já Renata Nakano, do Clube Quindim, defende que a literatura apresenta muitas possibilidades de experiências para o leitor e é um “instrumento poderoso” no desenvolvimento da empatia quando este leitor se coloca nos espaços do texto literário, que é aberto a projeções, “trazendo consigo sua memória e seus sentidos”.
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“Um texto dogmático e fechado não possibilita essas vivências, uma vez que não há espaço para o leitor se colocar nele. Com um texto fechado, você pode ensinar certa verdade de maneira autoritária. Com a literatura, você pode vivenciar com todos os seus sentidos as complexidades que muitas vezes escapam ao racional. Por isso, um texto fechado não dialoga com uma educação que se propõe a valorizar o pensamento crítico e autônomo.”
Os entrevistados
Jeferson Tenório, João Luís Ceccantini, Mell Brites e Renata Nakano. — Foto: Carlos Macedo/Feira do Livro; Reprodução; Nexo; Clube Quindim
Jeferson Tenório: autor de O Avesso da Pele (Companhia das Letras), vencedor do Prêmio Jabuti em 2021 de Melhor Romance, Estela sem Deus (Companhia das Letras) e O Beijo na Parede (Editora Sulina). É mestre em Literaturas Luso-africanas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutor em Teoria Literária pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente é colunista do jornal Zero Hora e UOL.
João Luís Ceccantini: co-organizador de Literatura Infantil e Juvenil na Fogueira (Editora Aletria). Prêmio Jabuti de 2009 de Melhor Livro de Não-Ficção, com Monteiro Lobato: livro a livro (Imprensa Oficial do Estado de SP). É doutor em Letras e participa do Programa de Pós-Graduação da UNESP. Foi coordenador do Grupo de Trabalho da Leitura e Literatura Infantil e Juvenil da ANPOLL (Associação Nacional de Pós graduação e Pesquisa em Letras e Linguística).
Mell Brites: autora de As crianças de Clarice (Editora da Unicamp), Diretora de Infâncias na editora Todavia (responsável pelo selo Baião), Mestre em literatura brasileira pela USP e doutoranda em letras pela Unesp, ministra cursos livres sobre literatura infantil. É professora convidada da Pós-graduação Literatura para Crianças e Jovens do Instituto Vera Cruz. Foi Editora Executiva da divisão infantil do grupo Companhia das Letras e à frente do selo Companhia das Letrinhas recebeu diversos prêmios como o New Horizons – Digital Prize (Bolonha, 2012).
Renata Nakano: diretora geral do Clube de Leitura Quindim, clube de assinatura de livros infantis referência no país. É mestre em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio, com MBA em Gestão de Negócios pelo IBMEC. Foi professora em programas de pós-graduação, jurada de prêmios literários e consultora para diferentes casas editoriais. Como pesquisadora, foi premiada com bolsa da International Youth Library em Munique.